Licença? Eu agarro na licença e deito-a para o rio



…disse o homem enquanto rasgava a dita cuja, assinada por si, em mil bocadinhos. Depois, entre berros e gritos, ameaçou o artista e, segundo algumas testemunhas, tentou ainda atropelá-lo com o seu vistoso jeep. Juntaram-se alguns populares, género básico estridente, juntaram mais guinchos aos berros do homem, mais ou menos do estilo “primeiro lixo-te e depois lincho-te, estás para aí a dizer que isto é arte mas esta merda não passa de lixo, até eu fazia melhor e nem precisava de abrir os olhos”.
Tudo gente culta e fina, com elevada bagagem crítica e muitos conhecimentos sobre a matéria em causa.
A seguir chegou a polícia, à bruta, “qual arte qual carapuça”, vamos já a tirar esta treta toda daqui, e o artista viu o caso mal parado, deve ter-se imaginado na esquadra, num país estrangeiro para o qual foi convidado, apesar da licença e das garantias que lhe tinham dado.
Finalmente, porque há pessoas previdentes, lá chegou a cópia da licença com a assinatura do homem (proprietário do imóvel abandonado, um antigo hotel), pelo seu próprio punho, a autorizar a intervenção no edifício, mais a cópia da autorização camarária, mais a informação sobre o ARTUR, apoios, patrocínios, etc., etc.
Nessa altura a polícia pôs-se do lado do artista e, luz feita, começou a explicar ao proprietário que sim, que se tratava de arte, que a intenção era assinalar o abandono de edifícios emblemáticos como aquele, que bem vistas as coisas era possível que no final ficasse muito melhor, que o edifício estava realmente decrépito, abandonado e dava má imagem de si logo à entrada da cidade. Isto dito pela polícia, o que só abona a seu favor e, a mim, surpreende. Depois disse que não podia intervir a favor do proprietário, visto estar tudo legal e autorizado também pelo próprio, tentando chamá-lo à razão.
O homem, conhecido pato-bravo, mostrou o significa para si um contrato (serve para rasgar, portanto) expulsando todos com o apoio dos populares mais “esclarecidos” em questões artísticas.
E, se a cidade perdeu uma intervenção de um artista de reconhecimento internacional, Alexandros Vasmoulakis (façam o favor de clicar porque vale a pena), o autor em causa, ganhou uma história para contar sobre a pequenez, a ignorância, o preconceito e a intolerância, além de uma “medalha”: alguma arte, no séc XXI, ainda tem a capacidade de agitar, contestar e fazer surgir emoções profundas nas pessoas. Nuns casos boas emoções noutros, como neste, o piorzinho que havia dentro daqueles intervenientes. Boa, Alexandros.

… Publicado em 11/06/2011 por A. Pedro Correia